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quarta-feira, 2 de setembro de 2015

Superação de vida florida.

Passeava com o cachorro pela minha rua, aqui no Bairro Sarandi em Porto Alegre, quando enxerguei a responsável pela minha curiosidade há meses sentada num banquinho, cavocando no canteiro do outro lado da rua. Me encorajei enfim e subi correndo até o oitavo andar para pegar meu celular e um caderno caso necessitasse anotar algo. Meu faro me dizia que aquilo seria uma história muito legal. Mal sabia eu que seria uma história das mais lindas que já ouvi.

Minha rua tem um arroio que antigamente era repleto de mato e árvores que tampavam tudo e assustavam os moradores por poder ser esconderijo para assaltos ou estupros. Depois de cortarem tudo, aos poucos foi se enchendo de flores e plantas lindas. Aquela senhora sentada que eu enxergo há meses é quem cuida das mais de 100 mudas que plantou e planta todos os dias no canteiro do Arroio Sarandi. De rosas, margaridas, bananeiras, abacateiros, plantações de pimentas, manjericão são lotadas as tardes dela. E as redes sociais também, repletas de fotos das mudinhas que ela cuida para deixar todos informados.

A ideia surgiu da antiga síndica de seu condomínio, que começou voluntariamente a plantar. Mas ela se mudou para outra rua. O que eu não sabia, é que quem há mais de dois anos agora cuida das plantas, Terezinha Fátima de Vargas da Rocha, de 60 anos, iniciou a prática pois foi diagnosticada com câncer de mama metástico há 2 anos e meio. Descobriu a doença quando percebeu que sua mama esquerda estava avermelhada. Mas ao contrário de muitos diagnósticos, ela não desistiu. E por conselho do médico, procurou na natureza uma forma de superar os obstáculos e viver feliz. 

Ela que trabalhou por 23 anos num abrigo cuidando de crianças, agora passa boa parte do seu tempo cuidando e plantando mudas voluntariamente nos canteiros de sua rua. No abrigo em que trabalhava, havia uma estufa onde as crianças costumavam plantar e ela sempre teve curiosidade pela prática, mas só foi descobrir o amor pelas plantas depois de diagnosticada. “Eu nunca percebia que a rua tinha essas plantas, nem prestava atenção no canto dos pássaros. Depois da doença eu escuto eles cantando desde as 16 horas e venho todos os dias conversar com minhas amigas (plantinhas). As pessoas tão sempre na correria e não percebem as coisas simples da vida”.


A senhora, que mora com o marido e o filho e pensa na possibilidade de escrever um livro sobre os obstáculos superados e as mudanças vindas da doença, diz que muita gente passou a conversar com ela pela rua, e que várias vezes recebe mudas de flores dos moradores e conhecidos. Quando questionada sobre a família, contou sobre seu marido: “Às vezes ele diz que eu posso cair dentro do valão, mas me apoia, sabe que eu não vou deixar elas”. O filho a incentiva, e foi quem deu o kit para jardinagem que ela leva diariamente consigo, um presente sem data especial.


Terezinha, que é espírita, diz que também gosta muito de ler livros e ouvir música, mas na hora da tristeza e desânimo, nada supera a alegria que encontra nas plantas. Relata que viu e leu A culpa é das Estrelas, e que seu tipo de câncer é o mesmo da personagem Hazel. O dela resultou na retirada da mama esquerda, e em algumas cirurgias, foi para a cabeça e agora está pelos ossos. Me contou que procura se manter sempre bonita, com suas perucas ou lenços, mas sem se deixar abater: “Quando me falam que eu sofro, eu digo que fiz da doença que era um limão, uma limonada. Aprendi a viver!”

A simpática mulher encontrou nas plantas a sua própria terapia, e cuida delas como suas próprias filhas: “Elas me obedecem às vezes”. Mostra uma a uma com orgulho, cuida, esconde, avisa aos cortadores de grama que tenham cuidado, sabe quando alguém arranca alguma muda e fica inconformada. Por fim, conversa comigo sobre sua família. Se orgulha ao contar que seu filho único em breve inicia o Mestrado em Letras. E antes de se despedir, me diz que vai ficar feliz se eu conseguir mostrar para as pessoas que também sofrem de doenças crônicas, que assim como ela, não devem desistir e procurar viver a vida com toda a intensidade e serem felizes. 
" A doença não existe, tu que coloca ela dentro de ti. "

PS:  O que sobrou de lembrança da conversa foi um pedacinho de manjericão que ela me alcançou para cheirar na mão, essas fotos dela, e muita emoção para segurar por cerca de 40 minutos de conversa.